Final de tarde de sexta-feira no trabalho. Dia enfadonho, quente, abafado e demasiadamente calmo, com o peso da semana e do semestre nas costas e uma vontade louca de desaparecer dali para o merecido descanso num final de semana, que prometia ser ainda mais enfadonho. Por sorte, trabalho numa faculdade onde, pelo menos, sempre temos a visão de lindos e fogosos garotões usando seus bermudões e regatas de verão. Mas para meu azar, numa plena sexta-feira do meio de dezembro, esse consolo também me havia sido maldosamente usurpado! Restava-me intercalar a vista entre os preguiçosos ponteiros do relógio de parede, que mais pareciam andar para trás, e a visão do enorme e esverdeado jardim da escola defronte à minha estratégica janela de piso térreo, onde em situações normais costuma-se aglomerar a rapaziada em bando para azarar as meninas, ou azararem-se entre si, jogando frisbee ou batendo bola, sensualmente despidos de suas camisetas enquanto aguardam o início dos cursos noturnos. Mas não era esse o caso também. Voltemos ao tempo.
Há dois meses, o departamento entrara em obras. Reforma geral dos banheiros, com barulho ensurdecedor, poeira insuportável e um clima de caos. Lá ao fundo, um bando de peões de obra, em suas roupas sujas e maltrapilhas, um tanto desgastados e maltratados em suas aparências e corpos pela insalubridade de seu trabalho. Quando um amigo, ex-aluno que lá comparecera, explode num comentário, no mínimo inusitado: O que é isso? O que são essas sobrancelhas? Que garoto é esse? Foi quando me dei conta que debaixo daquele aparente disforme pedreiro escondia um raro espécime da beleza masculina. Desse dia em diante, não pude mais deixar de prestar descarada atenção àquele vulto indo e vindo aos horários de intervalo, impossibilitado de desviar os olhos e mensurá-lo escancaradamente em todos os detalhes proibitivamente não revelados por inteiro. Sua pele morena e brilhante, o contorno velado do corpo por sobre o uniforme grosseiro e encardido a denunciar linhas perfeitas, braços e pernas fortes, porém delicadamente talhados.
Os movimentos da cintura deixavam escapar um abdômem perfeito, contornado pelos traços da musculatura e pelo elástico da cueca branca sob as calças baixas que deixava seu trazeiro ainda mais perfeitamente empinado quando erguia seus braços em movimentos de volúpia preguiçosa. Essa imagem ainda tão nevoada passou a invadir minhas noites e meus sonhos. A cada manhã de noite mal dormida, repleta de conturbados momentos de sexo solitário, passei a ser inconscientemente obrigado a buscar essa visão a me deixar cada vez mais excitado e, consequentemente, a revelar minhas próprias emoções e desejos. Com certeza, ele, e somente ele, percebeu meu olhar e movimentos perseguidores pois, desde então, passou a cruzar meus passos com os olhos voltados ao chão, mas sempre denunciando o desvio de esguelha em minha direção. Sim, com certeza ele percebeu! Passou a gostar disso, penso eu, pois que, de uma hora para outra, sua necessidade de circular pelo caminho defronte à minha porta ou de minha janela, sem motivo aparente, aumentara. Véspera de sair de férias, de volta, agora, àquela tarde enfadonha de sexta-feira, depois de dois meses de reforma.
Visões obscuras finalmente reveladas? Pois que uma visão paradisíaca surge defronte à minha janela: aquele rapaz banhado, cujo rastro de perfume másculo ainda podia sentir depois de me dar conta que passara pela minha porta sem que eu, insanamente, tivesse percebido. Defronte agora à minha janela, no jardim, sentado ao chão, pernas deliciosamente flexionadas e entreabertas saindo de uma bermuda jeans de bom-gosto, regata da hora, tênis de marca com tornozelos sensualmente à mostra sob pernas roliças e bem trabalhadas em curvas, o boné limpo e elegante de passeio que lhe dava ares de fetiche e combinando com o restante da obra, revelando um rosto angelical, com os traços juvenis viris e angelicais de seu rosto ainda mais realçados pelo nariz afilado e emoldurado pelos cabelos muito bem aparados e a delicadeza de suas sobrancelhas perfeitamente contornadas.
Aquelas sobrancelhas por sobre aqueles olhos que fingia não me ver, mas que, agora, cruzavam-se aos meus em desesperados e fingidos soslaios que pareciam cada vez mais proibidos, com os outros peões em pé, à sua frente, poluindo aquele enquadramento. Num desses momentos, ele sorriu gostoso e camuflada mente, com seus dentes brancos e perfeitos para mim e, não sei mais por que, nossos olhares, a partir desse instante, nunca mais se cruzaram. Voltei de férias. A obra ainda inacabada, mas apenas ele e seu mestre de obras agora lá trabalhando nos detalhes de final de obra. Cruzam-se agora os nossos caminhos mais que nunca, mas seus olhos sempre baixos parecem se recusar forçadamente a cruzar com os meus. Qual, portanto, o significado daquele sorriso imperceptível no canto de sua boca? Qual o significado daquele olhar baixo e arredio que traiçoeiramente me faz ver a mim mesmo refletido no canto daqueles olhos que não me fitam? Contornados por aquelas sobrancelhas quase eróticas de tão belas? Proibido? Pecado? Impossível para um pedreiro macho e viril que de grosseiro e sujo nada têm? Mas que possui a beleza perfeita que a muito poucos deus proveu? Delicadeza de olhar e desejo que o expulsariam do jardim do Éden? O fruto proibido? O paraíso se transformou em inferno? Noites mal dormidas. Respostas proibidas. Fruto proibido. Infindável história de Adão e Adão aprisionados no paraíso. Aquelas sobrancelhas. prazer noturno solitário. Paixão que não explode!